Monday, May 20, 2013

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Nem acredito que já se passaram quase 4 meses desde a minha última postagem... O nome do blog vai ter de mudar... Aprendo a cada três meses e meio...


Bem, hoje vou sintetizar a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, pois caiu na prova de Analista do MPU ontem, ainda que de forma bem superficial. 

A fonte da síntese abaixo é, principalmente, o ótimo Manual de Direito Civil do Prof. Flávio Tartuce (1), mas também a notícia do STJ do dia 30-11-10 (2) e o Resp 948.117-MS (3). (Os números entre parênteses indicam a fonte – não tenho a intenção de violar direitos autorais, apenas de sintetizar o que aprendi. Se alguém se sentir lesado, por favor, avise-me e eu retirarei o conteúdo imediatamente.)

Previsão legal:

CC, art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

CDC, Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
(...)
        § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Lei dos Crimes Ambientais (L 9605/98),  Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Considerações:

  1. A distinção entre pessoas físicas e pessoas jurídicas surgiu para resguardar o patrimônio dos sócios e administradores em caso de falência da empresa. É instituto essencial à atividade econômica. (2)

  1. Regra: os sócios respondem por débitos sociais dentro do limite do capital social (a depender do tipo societário) (1)

  1. Regra: conforme  tipo societário adotado, a responsabilidade dos sócios por débitos sociais é subsidiária (1)

  1. Para coibir abusos ou fraudes, surgiu a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica ou Teoria da Penetração na Pessoa Física ou Disregard of the legal entity doctrine. (1)

  1. A desconsideração da personalidade jurídica permite superar a separação entre os bens da empresa e dos seus sócios para efeito de determinar obrigações (2). Não há despersonificação, a pessoa jurídica subsiste e permanece no pólo passivo da demanda, que passa a incluir também os sócios ou administradores (1).

  1. Para a Ministra Nancy: “a técnica jurídica surgiu na Inglaterra e chegou ao Brasil no final dos anos 60, especialmente com os trabalhos do jurista e professor Rubens Requião” (2)

  1. Para Tartuce, já não se deveria adotar o termo “teoria”, uma vez que o assunto está positivado. (1)

  1. Há duas teorias no que diz respeito à desconsideração da PJ:

    1. Teoria Maior: exige 2 requisitos (art. 50, CC):

Abuso da personalidade jurídica + Prejuízo ao credor

sendo que:

Abuso da PJ = desvio de finalidade (teoria subjetiva)
OU
confusão patrimonial (teoria objetiva)

É a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro (art. 50, CC) (STJ, REsp 279.273-SP)

    1. Teoria Menor: exige apenas um requisito:

Prejuízo ao credor

Conforme o STJ, a Teoria Menor foi adotada, excepcionalmente, pelo oj brasileiro tanto na Lei de Crimes Ambientais como no CDC (STJ, REsp 279.273-SP)

  1. IMPORTANTE: o credor não  precisa demonstrar o dolo específico do devedor em prejudicá-lo. A intenção fraudulenta não é requisito obrigatório, a mera confusão patrimonial gerando prejuízo ao credor já autorizaria a DPJ.


  1. A jurisprudência sedimentada do STJ é de que a desconsideração da PJ INDEPENDE de ação própria, podendo ocorrer dentro do processo de execução ou falimentar (3).

  1. O ministro Uyeda afirmou que, após a desconsideração, não há restrição legal para o montante da execução (2), ou seja, não importa de quanto é a cota social do sócio, se, após a desconsideração, a execução passou a ser a ele direcionada, ele responde pela integralidade do débito.

DESCONSIDERAÇÃO INVERSA

  1. O STJ (e a doutrina, principalmente no Direito de Família) também aceita a aplicação da Teoria da Desconsideração Inversa): responsabiliza-se a PJ pelas obrigações de seus sócios.

  1. A justificativa do STJ para a aceitação da Desconsideração Inversa é a de que deve ser feita uma interpretação teleológica do art. 50, CC: a função da disregard é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios ou administradores (3) e isso também ocorre quando o sócio se vale da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens, causando prejuízo a terceiros:

Enunciado 283, CJF  — Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

  1.  Exemplo: em antecipação ao divórcio, o marido compra bens com capital próprio em nome da empresa (confusão patrimonial) de modo a excluí-los de futura partilha.

  1.  Para Nancy, a desconsideração inversa é excepcional, exigindo que se atendam os requisitos do artigo 50 do CC (2).

DESCONSIDERAÇÃO ENTRE EMPRESAS

  1.  “REsp 1.259.018. A principal questão no julgado é a possibilidade da extensão dos efeitos da falência a empresas coligadas para reparar credores. A ministra Nancy apontou que haveria claros sinais de fraude, com transferência de bens entre as pessoas jurídicas coligadas e encerramento das empresas com dívidas. Para a ministra, os claros sinais de conluio para prejudicar os credores autorizariam a desconsideração da personalidade das empresas coligadas e a extensão dos efeitos da falência.” (2)

DPJ x Fraude contra credores:

  1. “A desconsideração é mais abrangente, pois pode se estender a casos em que não ficou caracterizada a fraude. Até porque, o terceiro que foi prejudicado, não precisa ser, obrigatoriamente um credor e sim, qualquer sujeito de direito que foi lesado em seus interesses jurídicos. Portanto, a fraude não é pressuposto para a desconsideração.” (Apostila do Ponto dos Concursos, Lauro Escobar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

  1.  A técnica da DPJ é aplicável às pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos.

  1. É possível que a própria pessoa jurídica invoque em seu favor a teoria da desconsideração.

  1. Observar que pela redação do art. 50, CC, a aplicação pelo juiz da DPJ DEPENDE de requerimento da parte ou do MP (qdo lhe couber intervir no processo). Pablo Stolze diz que alguns autores defendem a possibilidade de decretação de ofício no âmbito do Direito do Consumidor e do Direito Ambiental, por serem normas de ordem pública.

  1.  É óbvio que a DPJ não se aplica às sociedades de fato, pois nesse caso não há o que desconsiderar: as sociedades de fato não têm PJ e os sócios respondem ilimitadamente.

  1.  Cuidado que a jurisprudência pode usar fraude como requisito: “A dissolução irregular da empresa não é suficiente para justificar a adoção da medida excepcional de desconsideração da personalidade jurídica, por não comprovar o alegado abuso da personalidade jurídica ou fraude, a ensejar a responsabilização pessoal dos sócios por dívida da pessoa jurídica." (TRF1, AC_200738000215510)

  1.  Cuidado o Enunciado 282 está em dissonância com a jurisprudência do STJ:

Enunciado 282 da JDC: Art. 50: O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade jurídica.

REsp 1169175/DF: A DPJ “só é admissível em situações especiais quando verificado o abuso da personificação jurídica, consubstanciado em excesso de mandato, desvio de finalidade da empresa, confusão patrimonial entre a sociedade ou os sócios, ou, ainda, conforme amplamente reconhecido pela  jurisprudência desta Corte Superior, nas hipóteses de dissolução irregular da empresa, sem a devida baixa na junta comercial.”



QUESTÕES


CESPE – 2010 (adaptada) – Juiz do TRT 1ªR

 1. A autonomia da pessoa jurídica pode ser desconsiderada para responsabilizá-la por obrigações assumidas pelos sócios.

Correta. É a desconsideração inversa.

2. Para fins de desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, o Código Civil adotou a teoria menor.

Falsa. O art. 50, CC adotou a teoria maior: abuso da personalidade jurídica + prejuízo ao credor.

3. Para desconsiderar personalidade jurídica, não se tratando de relação de consumo, o magistrado deve verificar se houve intenção fraudulenta dos sócios que aponte para desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Falsa. A intenção fraudulenta não é requisito do art. 50, CC.



ENUNCIADOS DO CJF SOBRE O TEMA


 Enunciado 7 do CJF – Art. 50: só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.

Enunciado 51 do CJF – Art. 50: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.


Enunciado 146 do CJF – Art. 50: Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial). (Este Enunciado não prejudica o Enunciado n. 7)


Enunciado 281 do CJF – Art. 50. A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica.


Enunciado 282 do CJF – Art. 50. O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade jurídica.


Enunciado 283 do CJF – Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.


Enunciado 284 do CJF – Art. 50. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica.

Enunciado 285 do CJF – Art. 50. A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor.

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