Bem, hoje vou sintetizar a
Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, pois caiu na prova de
Analista do MPU ontem, ainda que de forma bem superficial.
A fonte da síntese abaixo é, principalmente, o
ótimo Manual de Direito Civil do Prof. Flávio Tartuce (1), mas também a notícia do STJ do
dia 30-11-10 (2) e o Resp 948.117-MS (3). (Os números entre parênteses indicam
a fonte – não tenho a intenção de violar direitos autorais, apenas de
sintetizar o que aprendi. Se alguém se sentir lesado, por favor, avise-me e eu
retirarei o conteúdo imediatamente.)
Previsão legal:
CC, art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica.
CDC, Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da
sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso
de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.
(...)
§ 5° Também poderá ser
desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma
forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Lei dos Crimes Ambientais (L 9605/98),
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade
do meio ambiente.
Considerações:
- A distinção entre pessoas físicas e pessoas jurídicas surgiu para resguardar o patrimônio dos sócios e administradores em caso de falência da empresa. É instituto essencial à atividade econômica. (2)
- Regra: os sócios respondem por débitos sociais dentro do limite do capital social (a depender do tipo societário) (1)
- Regra: conforme tipo societário adotado, a responsabilidade dos sócios por débitos sociais é subsidiária (1)
- Para coibir abusos ou fraudes, surgiu a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica ou Teoria da Penetração na Pessoa Física ou Disregard of the legal entity doctrine. (1)
- A desconsideração da personalidade jurídica permite superar a separação entre os bens da empresa e dos seus sócios para efeito de determinar obrigações (2). Não há despersonificação, a pessoa jurídica subsiste e permanece no pólo passivo da demanda, que passa a incluir também os sócios ou administradores (1).
- Para a Ministra Nancy: “a técnica jurídica surgiu na Inglaterra e chegou ao Brasil no final dos anos 60, especialmente com os trabalhos do jurista e professor Rubens Requião” (2)
- Para Tartuce, já não se deveria adotar o termo “teoria”, uma vez que o assunto está positivado. (1)
- Há duas teorias no que diz respeito à desconsideração da PJ:
- Teoria Maior: exige 2 requisitos (art. 50, CC):
Abuso da personalidade
jurídica + Prejuízo ao credor
sendo que:
Abuso
da PJ = desvio de finalidade (teoria subjetiva)
OU
confusão patrimonial (teoria
objetiva)
É a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro
(art. 50, CC) (STJ, REsp 279.273-SP)
- Teoria Menor: exige apenas um requisito:
Prejuízo ao credor
Conforme o STJ, a Teoria Menor foi adotada,
excepcionalmente, pelo oj brasileiro tanto na Lei de Crimes Ambientais como no
CDC (STJ, REsp 279.273-SP)
- IMPORTANTE: o credor não precisa demonstrar o dolo específico do devedor em prejudicá-lo. A intenção fraudulenta não é requisito obrigatório, a mera confusão patrimonial gerando prejuízo ao credor já autorizaria a DPJ.
- A jurisprudência sedimentada do STJ é de que a desconsideração da PJ INDEPENDE de ação própria, podendo ocorrer dentro do processo de execução ou falimentar (3).
- O ministro Uyeda afirmou que, após a desconsideração, não há restrição legal para o montante da execução (2), ou seja, não importa de quanto é a cota social do sócio, se, após a desconsideração, a execução passou a ser a ele direcionada, ele responde pela integralidade do débito.
DESCONSIDERAÇÃO INVERSA
- O STJ (e a doutrina, principalmente no Direito de Família) também aceita a aplicação da Teoria da Desconsideração Inversa): responsabiliza-se a PJ pelas obrigações de seus sócios.
- A justificativa do STJ para a aceitação da Desconsideração Inversa é a de que deve ser feita uma interpretação teleológica do art. 50, CC: a função da disregard é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios ou administradores (3) e isso também ocorre quando o sócio se vale da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens, causando prejuízo a terceiros:
Enunciado 283, CJF — Art. 50. É cabível a desconsideração da
personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se
valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a
terceiros.
- Exemplo: em antecipação ao divórcio, o marido compra bens com capital próprio em nome da empresa (confusão patrimonial) de modo a excluí-los de futura partilha.
- Para Nancy, a desconsideração inversa é excepcional, exigindo que se atendam os requisitos do artigo 50 do CC (2).
DESCONSIDERAÇÃO
ENTRE EMPRESAS
- “REsp 1.259.018. A principal questão no julgado é a possibilidade da extensão dos efeitos da falência a empresas coligadas para reparar credores. A ministra Nancy apontou que haveria claros sinais de fraude, com transferência de bens entre as pessoas jurídicas coligadas e encerramento das empresas com dívidas. Para a ministra, os claros sinais de conluio para prejudicar os credores autorizariam a desconsideração da personalidade das empresas coligadas e a extensão dos efeitos da falência.” (2)
DPJ x
Fraude contra credores:
- “A desconsideração é mais abrangente, pois pode se estender a casos em que não ficou caracterizada a fraude. Até porque, o terceiro que foi prejudicado, não precisa ser, obrigatoriamente um credor e sim, qualquer sujeito de direito que foi lesado em seus interesses jurídicos. Portanto, a fraude não é pressuposto para a desconsideração.” (Apostila do Ponto dos Concursos, Lauro Escobar.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
- A técnica da DPJ é aplicável às pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos.
- É possível que a própria pessoa jurídica invoque em seu favor a teoria da desconsideração.
- Observar que pela redação do art. 50, CC, a aplicação pelo juiz da DPJ DEPENDE de requerimento da parte ou do MP (qdo lhe couber intervir no processo). Pablo Stolze diz que alguns autores defendem a possibilidade de decretação de ofício no âmbito do Direito do Consumidor e do Direito Ambiental, por serem normas de ordem pública.
- É óbvio que a DPJ não se aplica às sociedades de fato, pois nesse caso não há o que desconsiderar: as sociedades de fato não têm PJ e os sócios respondem ilimitadamente.
- Cuidado que a jurisprudência pode usar fraude como requisito: “A dissolução irregular da empresa não é suficiente para justificar a adoção da medida excepcional de desconsideração da personalidade jurídica, por não comprovar o alegado abuso da personalidade jurídica ou fraude, a ensejar a responsabilização pessoal dos sócios por dívida da pessoa jurídica." (TRF1, AC_200738000215510)
- Cuidado o Enunciado 282 está em dissonância com a jurisprudência do STJ:
Enunciado
282 da JDC: Art. 50: O encerramento irregular das atividades da pessoa
jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade
jurídica.
REsp
1169175/DF: A DPJ “só é admissível em situações especiais quando verificado o
abuso da personificação jurídica, consubstanciado em excesso de mandato, desvio
de finalidade da empresa, confusão patrimonial entre a sociedade ou os sócios,
ou, ainda, conforme amplamente
reconhecido pela jurisprudência desta
Corte Superior, nas hipóteses de dissolução irregular da empresa, sem a devida
baixa na junta comercial.”
QUESTÕES
CESPE – 2010 (adaptada) – Juiz do TRT 1ªR
1. A autonomia da pessoa
jurídica pode ser desconsiderada para responsabilizá-la por obrigações
assumidas pelos sócios.
Correta. É a desconsideração inversa.
2. Para fins de desconsideração da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica, o Código Civil adotou a teoria menor.
Falsa. O art. 50, CC adotou a teoria maior: abuso da
personalidade jurídica + prejuízo ao credor.
3. Para
desconsiderar personalidade jurídica, não se tratando de relação de consumo, o
magistrado deve verificar se houve intenção fraudulenta dos sócios que aponte
para desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Falsa.
A intenção fraudulenta não é requisito do art. 50, CC.
ENUNCIADOS DO CJF SOBRE O TEMA
Enunciado 7 do CJF –
Art. 50: só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando
houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores
ou sócios que nela hajam incorrido.
Enunciado 51 do CJF – Art. 50: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.
Enunciado 146 do CJF – Art. 50: Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial). (Este Enunciado não prejudica o Enunciado n. 7)
Enunciado 281 do CJF – Art. 50. A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica.
Enunciado 282 do CJF – Art. 50. O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade jurídica.
Enunciado 283 do CJF – Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.
Enunciado 284 do CJF – Art. 50. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica.
Enunciado 285 do CJF – Art. 50. A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor.